domingo, 4 de abril de 2010

O MÉDICO E O MONSTRO

Segundo as teorias de Dr. Jekyll, o homem, na verdade, não é apenas um, mas dois. Todo ser humano é dotado de duas naturezas completamente opostas equilibradas de acordo com sua saúde mental. Uma é boa, aquela que traz admiração das pessoas, compaixão dos mais velhos, elogios dos amigos e da esposa ou namorada.; outra é má, aquela que é violenta, agressiva, mal-educada, feia e temida por todos. Quando bem distribuídas, com pequenas alternâncias de estado, o homem pode ser considerado normal, mas há os casos em que uma natureza se sobrepõe a outra, tentando se libertar. O problema torna-se grave quando quem alcança a liberdade é o lado negativo, gerando as fatalidades que estamos acostumados a presenciar nos noticiários televisivos.

Com base nessas idéias, o médico e cientista, Dr. Jekyll, personagem do clássico da literatura gótica, O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll and Mr. Hyde), dedicou anos de estudo em busca de uma fórmula que fosse capaz de trazer à tona a natureza má do ser humano. Enfim, ele conseguiu. Não só ele, mas também Robert Louis Stevenson, autor da obra, ao desenvolver numa trama repleta de mistério e suspense as bases de uma teoria que somente décadas a frente seria estudada por Sigmund Freud. Não é difícil encontrar evidências de uma tese sobre o consciente e o subconsciente nas entrelinhas dessa obra de ficção do final do século XIX. Para isso, basta ler o último capítulo do livro em que o médico, num momento de lucidez, narra em uma carta todo seu trabalho e pesquisa dos últimos anos.

O livro tem início com a presença de Sr.Utterson, o advogado de Dr.Jekyll, caminhando pelas ruas silenciosas de Londres ao lado de seu parente, Sr. Richard Enfield, a quem ele narra os estranhos acontecimentos envolvendo uma porta e uma figura misteriosa. Ele diz que presenciou o momento em que um homem de aparência detestável, que andava a passos largos, atropelou uma criança que vinha em sentido contrário, deixando-a aos berros na calçada. Após perseguido e trazido ao local do acidente, o monstruoso homem, que se chamava Hyde, disse que estaria disposto a pagar pelos prejuízos causados à família da menina. Não acreditando na afirmação daquele sujeito horrendo, Sr.Utterson foi com ele até uma estranha porta e ficou estarrecido quando recebeu um cheque com fundos. A narração termina com a promessa de Sr. Utterson em realizar uma pesquisa sobre o Sr.Hyde a todo custo.

Para deixar o advogado ainda mais confuso a respeito do último acontecimento, ele recebe uma notificação de Dr.Jekyll , um respeitado e admirado médico, favorecendo em seu testamento, em caso de desaparecimento, ninguém menos que Dr.Hyde. A partir desse ponto, o médico começa a se isolar em seu quarto, deixando de lado todos os seus conhecidos, enquanto o advogado passa a acreditar em seqüestro, chantagem e até mesmo assassinato envolvendo o amigo. As piores hipóteses passam a adquirir sentido quando Sir Danvers Carew, um velho rico e tranqüilo, é assassinado de forma brutal, sob os olhares de uma criada do alto de uma janela. Após a descrição da moça, Dr.Hyde se torna o maior suspeito do crime, passa a ser perseguido pela polícia local e desaparece sem deixar vestígios, no mesmo instante em que Dr.Jekyll ressurge na sociedade. A partir desse ponto, o leitor ainda irá encontrar muitas surpresas até a revelação final, quando o espesso nevoeiro londrino irá se dissipar.

Numa linguagem bem acessível, O Médico e o Monstro inspirou diversos autores na construção de suas obras, gerou alguns filmes, principalmente os que envolvem dupla personalidade, e até um personagem dos quadrinhos. Robert Louis Stevenson, responsável por outro clássico literário, A Ilha do Tesouro, conduz essa trama como se fosse mais uma aventura gótica do detetive Sherlock Holmes, de Conan Doyle, deixando pistas e intrigando ao mesmo tempo em que suas descrições perturbam o leitor desacostumado com o gênero. Dr. Hyde é apresentado como uma pessoa de aparência negativa e curiosa, dando a impressão que se trata de uma criatura deformada, mesmo não sendo. Sua baixa estatura, sua palidez mórbida, seu sorriso desagradável e voz medonha, tudo se definia nas assustadoras palavras de Sr. Utterson:"pobre Sr.Jekyll, se alguma vez vi a marca de Satanás num rosto, foi no de seu novo amigo."


Análise: Marcelo Milici

Fonte: http://www.bocadoinferno.com/romepeige/lite/medico.html

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