quinta-feira, 29 de março de 2012

Tipos de Linguagem

Texto 1

“Pois é. U purtuguêis é muito fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti discobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im portuguêis, é só prestátenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é parecidu, si iscrevi muito diferenti. Qui bom qui a minha lingua é u purtuguêis. Quem soubé falá, sabi iscrevê.”

Jô Soares, revista veja, 28 de novembro de 1990.


Texto 2

O Fax do Nirso

O gerente de vendas recebeu o seguinte fax de um dos seus novos vendedores: 'Seo Gomis o criente de Belzonte pidiu mais cuatrucenta pessa. Faz favor toma as providenssa, Abrasso, Nirso.' Aproximadamente uma hora depois, recebeu outro: 'Seo Gomis, os relatório di venda vai xega atrazado proque to fexando umas venda. Temo que manda treis miu pessa. Amanhã tô xegando. Abrasso, Nirso.' No dia seguinte: 'Seo Gomis, num xeguei pucausa de que vendi maiz deis miu em Beraba. To indo pra Brazilha. Abrasso, Nirso.' No outro: 'Seo Gomis, Brazilha fexo 20 miu. Vo pra Frolinoplis e de lá pra Sum Paulo no vinhão das cete hora. Abrasso, Nirso'. E assim foi o mês inteiro. O gerente, muito preocupado com a imagem daempresa, levou ao presidente as mensagens que recebeu do vendedor. O presidente, um homem muito preocupado com o desenvolvimento da empresa e com a cultura dos funcionários, escutou atentamente o gerente e disse: - Deixa comigo, que eu tomarei as providências necessárias. E tomou. Redigiu de próprio punho um aviso e afixou no mural da empresa, juntamente com as mensagens de fax do vendedor: 'A parti de oje nois tudo vamo fazê feito o Nirso. Si priocupá menos em iscrevê serto, mod vendê maiz. Acinado, O Prizidenti.'

Esta atividade é em dupla, leiam o texto abaixo com atenção, observe que nas falas de Rui Barbosa  o português usado é muito formal, por isso, pesquise as palavras do texto que você não conhece para compreendê-lo melhor e faça uma representação do diálogo na sala, como se fosse uma peça de teatro.

Texto 3
Rui Barbosa e o Ladrão de Galinhas
            Certa vez, um ladrão foi roubar galinhas justamente na casa do escritor Rui Barbosa. O ladrão pulou o muro, e cercou as galinhas. Naquele alvoroço, Rui Barbosa acordou de seu profundo sono, e se dirigiu até o galinheiro.
            Lá chegando, viu o ladrão já com uma de suas galinhas, e disse:
"-Não é pelo bico-de-bípede, nem pelo valor intrínsico do galináceo; mas por ousares transpor os umbrais de minha residência. Se for por mera ignorância, perdôo-te. Mas se for para abusar de minha alma prosopopeia, juro-te pelos tacões metabólicos de meus calçados, que darte-ei tamanha bordoada, que transformarei sua massa encefálica, em cinzas cadavéricas."
O ladrão todo sem graça se virou e disse:
"-Cumé seu Rui, posso levar a galinha ou não???"

quarta-feira, 28 de março de 2012

Aula de 28/03

O Peru de Natal
Mário de Andrade
O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, de uma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres.
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu sugerira à mamãe a idéia dela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram lágrimas. Onde se viu ir ao cinema, de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto.
Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, espontaneamente, a idéia de fazer uma das minhas chamadas "loucuras". Essa fora aliás, e desde muito cedo, a minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos; desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha, uma detestável de tia; e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei, de uma criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar e na vasta parentagem, a fama conciliatória de "louco". "É doido, coitado!" falavam. Meus pais falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar um nada.
Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes...), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas "loucuras":
— Bom, no Natal, quero comer peru.
Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto.
         — Mas quem falou de convidar ninguém! essa mania... Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo...
— Meu filho, não fale assim...
— Pois falo, pronto!
E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz-que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Me deu de sopetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadiam a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. Minhas três mães, três dias antes já não sabiam da vida senão trabalhar, trabalhar no preparo de doces e frios finíssimos de bem feitos, a parentagem devorava tudo e ainda levava embrulhinhos pros que não tinham podido vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia ainda provavam num naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em nossa casa, peru resto de festa.
Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que com meus "gostos", já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja.
Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pombas desgarradas, até que minha irmã resolveu o consentimento geral:
— É louco mesmo!...
Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado:assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru. Um momento aliás, ela parou, feito fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àquelas leis de economia que sempre a tinham entorpecido numa quase pobreza sem razão.
— Não senhora, corte inteiro! Só eu como tudo isso!
Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só pra que os outros quatro comessem demais. E o diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a cotidianidade abafara por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe mas estou pensando em Jesus... Naquela casa de burgueses bem modestos, estava se realizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas.
— Eu que sirvo!
"É louco, mesmo" pois por que havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa! Entre risos, os grandes pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma distribuição heróica, enquanto mandava meu mano servir a cerveja. Tomei conta logo de um pedaço admirável da "casca", cheio de gordura e pus no prato. E depois vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cortou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru:
— Se lembre de seus manos, Juca!
Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele era o prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a que eu só lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou sublime.
— Mamãe, este é o da senhora! Não! não passe não!
Foi quando ela não pode mais com tanta comoção e principiou chorando. Minha tia também, logo percebendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrima sem abrir a torneirinha também, se esparramou no choro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de família besta que via peru e chorava! coisas assim. Todos se esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tornara impossível. É que o pranto evocara por associação a imagem indesejável de meu pai morto. Meu pai, com sua figura cinzenta, vinha pra sempre estragar nosso Natal, fiquei danado.
Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade. E o peru, estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido.
Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.
— Só falta seu pai...
Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste:
— É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família.
E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que "vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai", um santo. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave. O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso.
Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade. Ia escrever «felicidade gustativa», mas não era só isso não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber.
Mamãe comeu tanto peru que um momento imaginei, aquilo podia lhe fazer mal. Mas logo pensei: ah, que faça! mesmo que ela morra, mas pelo menos que uma vez na vida coma peru de verdade!
         A tamanha falta de egoísmo me transportara o nosso infinito amor... Depois vieram umas uvas leves e uns doces, que lá na minha terra levam o nome de "bem-casados". Mas nem mesmo este nome perigoso se associou à lembrança de meu pai, que o peru já convertera em dignidade, em coisa certa, em culto puro de contemplação.
Levantamos. Eram quase duas horas, todos alegres, bambeados por duas garrafas de cerveja. Todos iam deitar, dormir ou mexer na cama, pouco importa, porque é bom uma insônia feliz. O diabo é que a Rose, católica antes de ser Rose, prometera me esperar com uma champanha. Pra poder sair, menti, falei que ia a uma festa de amigo, beijei mamãe e pisquei pra ela, modo de contar onde é que ia e fazê-la sofrer seu bocado. As outras duas mulheres beijei sem piscar. E agora, Rose!...

O texto acima foi extraído do livro "Nós e o Natal", Artes Gráficas Gomes de Souza, Rio de Janeiro, 1964, pág. 23..

Observação: Narrador é aquele que conta a história. Ele pode ser em 3ª Pessoa ( quando só conta e não participa da história) ou em 1ª Pessoa (quando participa da história)

Exercícios

1- Que conceito o narrador fazia de seu pai?

2- Que conceito os membros da família e os  parentes faziam do narrador?

3-Que conceito o narrador tinha de seus parentes?

4- Qual é a relação entre o narrador e a mãe?

5- O que o narrador imaginou para quebrar a lembrança do pai? 

6- Como foi a ceia de Natal imaginada pelo narrador ?

Gabarito

só depois da aula  kkkkk ...

Exercícios


O poema a seguir foi escrito por Mário de Andrade e lido pelo autor durante a Semana de Arte Moderna. Leia-o atentamente e responda às questões que se seguem:

Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!


Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!


Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!


Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!"



Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!


Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Vocabulário:
Ode: Gênero de poema lírico, composto por estrofes de versos com medida igual e tom alegre.
Tíburi: carro de duas rodas e dois assentos sem boleia, com capota, e conduzido por um só animal.


1- Uma das influências das vanguardas[1] europeias na escrita era a recriação de palavras, dando origem a novos sentidos, num processo semelhante ao da colagem, na pintura. Identifique , no poema , exemplos desse procedimento e explique o novo sentido adquirido pelo termo no contexto geral.

2-Por que a figura do burguês é escolhida para ser insultada no poema? Justifique.

3-Identifique o trocadilho e a ironia  presentes no título do poema de Mário de Andrade?

Lembre-se
Trocadilho: jogo de palavras que apresentam sons semelhantes ou iguais, mas que possuem significados diferentes.
Ironia: figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender;

4- Retire da 5ª estrofe do poema um verso que comprove o desejo dos modernistas por um modo de pensar renovado.






Gabarito
1- burguês-níquel, burguês-burguês, homem-nádegas, burguês-funesto, burguês-mensal, burguês-tíburi. O novo sentido é um insulto ao burguês a partir daquilo que ele valoriza: os bens matérias (níquel, tíburi) , ou a idéias antiquadas, conservadoras (nádegas, funesto, mensal)
2- o burguês representava uma ordem instituída, e o movimento de 22 buscava romper com essa ordem.
3- o poeta propõe o trocadilho entre Ode e ódio. Com isso ironiza a figura do burguês: em vez de dedicar ao burguês uma Ode, uma homenagem.
4- “sempiternamente as mesmices convencionais!”, ou seja, as convenções criticadas, pois há um desejo de renovação.



 Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Oswald de Andrade
1-A que fato se refere o texto?
2- As palavras português e pena têm dois significados no contexto. Quais?
3- Leia um trecho do registro de 23 de abril, da carta de Pero Vaz de Caminha:
[...] Na noite seguinte ventou tanto sueste, com chuvaceiros, que fez caçar as naus e especialmente a capitânia. [...]

A versão de Oswald de Andrade para esse fato sintetiza a linguagem da carta. Copie o verso que corresponde a esse trecho da carta.

4- O poema levanta uma hipótese: a inversão do fato histórico.

a) Que verso exprime a condição para que tal hipótese pudesse ser concretizada?

b) Que versos exprimem a inversão dos fatos?





Gabarito
1- ao descobrimento do Brasil
2- Português: a língua portuguesa e a pessoa de nacionalidade portuguesa. Pena: Revestimento das aves (referência a vestimenta indígena) e dó.
3- “Debaixo de uma bruta chuva”
4. a) Fosse uma manhã de sol b) O índio tinha despido /O português.


Leia o poema a seguir

Neologismo
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.
Manuel Bandeira

1) Neologismo é o processo pelo qual são criadas novas palavras. Qual é o neologismo do poema?

2) Qual a brincadeira sonora que esse neologismo propicia?
3) Por que, segundo o eu lírico, sua invenção seria “intransitiva”



Gabarito
1-      O verbo teadorar
2-      O trocadilho entre  teadorar/teadoro/ e o nome Teodora
3-      Porque não seria necessário escolher a quem adorar, apenas Teodora seria o alvo de sua adoração e ela não precisa retribuir o seu afeto.



 Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .
— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
Manuel Bandeira

1- Aponte, no poema, dois aspectos de estilo que estejam relacionados ao tema da infância. Explique sucintamente.

2- Qual é o elemento comum entre a experiência infantil e a experiência mais adulta presentes no poema? Explique sucintamente.


Gabarito

1) Dois aspectos de estilo presentes no poema e que podem ser relacionados ao tema da infância são o uso reiterado do diminutivo (“bichinho”, “limpinhos”, “ternurinhas”) e o coloquialismo (Estilo de linguagem informal, familiar). O primeiro marca uma linguagem afetiva, muito comum na expressão verbal infantil; o segundo, revela uma linguagem livre de preocupações gramaticais, que poderia ser associada à maneira como as crianças se expressam, já que desconhecem, nesse período da vida, a maior parte das normas gramaticais. Outro recurso estilístico relacionado à representação de um universo infantil seria a livre associação de imagens aparentemente desconexas ou ilógicas, como a do porquinho-da-índia com a primeira namorada.


3) No poema, o elemento comum entre a experiência infantil e a adulta é o tema da frustração ou dor amorosa. A comparação apresentada no último verso sugere que a primeira namorada do eu lírico se comportou de modo semelhante ao porquinho, que “não fazia caso nenhum” “ternurinhas” dedicadas a ele.


[1] ideias e conceitos novos, avançados

Os Sapos


Os Sapos


Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

Manuel Bandeira






Ronald de Carvalho declamou esse poema de Manuel Bandeira, em meio a vaias do público,  na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, evento esse que Bandeira não participa, efetivamente.. Esse evento iniciou o Modernismo na Literatura e nas Artes no Brasil.





Vocabulário

Enfunando: inchando
Penumbra: escuridão
Deslumbra: ofusca, perturba a vista
Aterra: dá medo
Primo: sou hábil
Termos  cognatos: palavras de origem comum. Ex: terreno, terreiro, terra.
Frumento: trigo
Joio: erva daninha que cresce no meio do trigo
Clame grite
Céticas: descrentes
Perau: substantivo masculino
1    Regionalismo: Rio Grande do Sul.
     declive que dá para um rio ou arroio
2    Regionalismo: Brasil.
     lugar íngreme, escarpado; precipício


Análise

O poeta chama de sapos os poetas parnasianos que somente aceitavam a poesia rimada, formal, tipo os sonetos, exigiam rimas ricas.
Ele satiriza as reclamações deles e compara-as com o coaxar dos sapos num banhado ou rio.
Também mostra algumas das regras que eles seguiam: comer hiatos, nunca rimar cognatos, dar importância à forma.
Todo o poema é uma crítica aos conceitos do parnasianismo que vigorou nas décadas finais do séc XIX e das duas iniciais do séc. XX.
A cada um dos poetas reclamadores importantes ele denomina diferente: sapo-boi, sapo tanoeiro e aos menores chama de saparia.

Comentários sobre Os sapos
3º verso: os sapos: No 1º Tempo Modernista, o uso do poema-piada visando desmoralizar o academismo, a retórica melosa e o preciosismo vocabular é uma das tendências predominantes.
9º verso: tanoeiro: Referência sutil a Olavo Bilac, um dos medalhões da poesia brasileira que cultua a forma, a palavra esnobe, a métrica rigorosa e a rima rica ou rara.
Tanoeiro perereca (sapo comum)
20º verso: apoio: consoante de apoio: é o nome que se dá à consoante que forma sílaba com ultima vogal tônica de um verso. Exemplos no próprio texto: joio, apoio.
24º verso: forma: O empenho dos parnasianos em esculpir o verso era tal, que acabaram determinando um receituário de artesanato poético, onde a forma (ó aberta) se transforma em forma (ô fechado)
35º verso: joalheiro: Alusão direta à "Profissão de Fé", onde Bilac compara a função do poeta à de um ourives-joalheiro.
Penúltimo verso: cururu: O sapo autêntico, verdadeiro, sem empostação acadêmica, destituído de verborréia.
Fonte:RODRIGUES, A. Medina (et al). Antologia da Literatura Brasileira: Textos Comentados. São Paulo: Marco, 1979, vol. 2, p. 58-60.
Com o intuito de provocar o estilo parnasiano, na época a escola literária que fazia o gosto dos brasileiros, é feita a leitura do poema de Manuel Bandeira que obviamente foi criticada ferrenhamente pelo público. O texto inicia-se com uma referência do poeta à vaidade dos parnasianos quando cita a palavra “enfunando” que tem o mesmo sentido de “encher-se”, “inflar-se”, no entanto, neste texto o significado mais cabível seria o “enfunar-se” de orgulho, de vaidade.
Ao longo do poema, o eu-lírico constrói a crítica ao parnasiano e a sua estética,
” Diz: – Meu cancioneiro
É bem martelado. “
E ironiza o modo perfeito de se fazer arte.
“Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.”
No trecho acima o poeta faz um zombaria com o primor que os parnasianos têm em compor rimas, inclusive, em rimar termos cognatos, ou seja, termos que possuem a mesma classe gramatical já que para o parnasiano rimar termos cognatos não é sinônimo de sofisticação, pois as rimas não são consideradas ricas.

Além de ressaltar a estética parnasiana de forma sarcástica,
“Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.”
Manuel Bandeira também faz uma alusão irônica aos poemas que valorizam a descrição dos objetos e da escultura clássica.
“Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Exemplos de poesia parnasianas que mantêm esta valorização dos objetos clássicos são “Profissão de fé”, de Olavo Bilac e “Vaso Grego”, de Alberto Oliveira. Seguem alguns trechos:
(…)
“Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.”
(“Profissão de fé“)
(…)
“Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de os deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.”
(…)
 (“Vaso Grego”)
Além do conteúdo temático, o poeta faz algumas construções estruturais que dão sentido ao tema. Uma destas construções é o uso de aliterações em “p” e “b” e as assonâncias em “u” e “a” que remetem o som do pulo dos sapos, assim como, o jogo de palavras em ” Não foi! – Foi! – Não foi!” que faz analogia ao coaxar dos sapos.
Entretanto, o poeta moderno não utiliza a forma como meio de compor o tema, mas também, como forma de compor a ironia temática presente no texto. Por exemplo, a composição de todos os versos com a mesma métrica (cinco sílabas) faz parte da proposta parnasiana. No entanto, o poema é criado em redondilhas menores, isto é, a forma mais simples de se compor as sílabas poéticas, o que para os parnasianos é inaceitável, já que eles louvavam a sofisticação e não a simplicidade.
Outro aspecto estrutural que zomba dos aspectos requintados da escola parnasiana é uso das quadras ou quartetos, formas consideradas populares, contrastando, desse modo, com as formas sofisticadas, tais como, o soneto que é muito prezado no parnasianismo.
Esta popularidade da quadra se torna mais evidente na última estrofe cujos últimos versos fazem alusão a uma cantiga popular brasileira.
“ Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…”