quarta-feira, 28 de março de 2012

Os Sapos


Os Sapos


Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

Manuel Bandeira






Ronald de Carvalho declamou esse poema de Manuel Bandeira, em meio a vaias do público,  na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, evento esse que Bandeira não participa, efetivamente.. Esse evento iniciou o Modernismo na Literatura e nas Artes no Brasil.





Vocabulário

Enfunando: inchando
Penumbra: escuridão
Deslumbra: ofusca, perturba a vista
Aterra: dá medo
Primo: sou hábil
Termos  cognatos: palavras de origem comum. Ex: terreno, terreiro, terra.
Frumento: trigo
Joio: erva daninha que cresce no meio do trigo
Clame grite
Céticas: descrentes
Perau: substantivo masculino
1    Regionalismo: Rio Grande do Sul.
     declive que dá para um rio ou arroio
2    Regionalismo: Brasil.
     lugar íngreme, escarpado; precipício


Análise

O poeta chama de sapos os poetas parnasianos que somente aceitavam a poesia rimada, formal, tipo os sonetos, exigiam rimas ricas.
Ele satiriza as reclamações deles e compara-as com o coaxar dos sapos num banhado ou rio.
Também mostra algumas das regras que eles seguiam: comer hiatos, nunca rimar cognatos, dar importância à forma.
Todo o poema é uma crítica aos conceitos do parnasianismo que vigorou nas décadas finais do séc XIX e das duas iniciais do séc. XX.
A cada um dos poetas reclamadores importantes ele denomina diferente: sapo-boi, sapo tanoeiro e aos menores chama de saparia.

Comentários sobre Os sapos
3º verso: os sapos: No 1º Tempo Modernista, o uso do poema-piada visando desmoralizar o academismo, a retórica melosa e o preciosismo vocabular é uma das tendências predominantes.
9º verso: tanoeiro: Referência sutil a Olavo Bilac, um dos medalhões da poesia brasileira que cultua a forma, a palavra esnobe, a métrica rigorosa e a rima rica ou rara.
Tanoeiro perereca (sapo comum)
20º verso: apoio: consoante de apoio: é o nome que se dá à consoante que forma sílaba com ultima vogal tônica de um verso. Exemplos no próprio texto: joio, apoio.
24º verso: forma: O empenho dos parnasianos em esculpir o verso era tal, que acabaram determinando um receituário de artesanato poético, onde a forma (ó aberta) se transforma em forma (ô fechado)
35º verso: joalheiro: Alusão direta à "Profissão de Fé", onde Bilac compara a função do poeta à de um ourives-joalheiro.
Penúltimo verso: cururu: O sapo autêntico, verdadeiro, sem empostação acadêmica, destituído de verborréia.
Fonte:RODRIGUES, A. Medina (et al). Antologia da Literatura Brasileira: Textos Comentados. São Paulo: Marco, 1979, vol. 2, p. 58-60.
Com o intuito de provocar o estilo parnasiano, na época a escola literária que fazia o gosto dos brasileiros, é feita a leitura do poema de Manuel Bandeira que obviamente foi criticada ferrenhamente pelo público. O texto inicia-se com uma referência do poeta à vaidade dos parnasianos quando cita a palavra “enfunando” que tem o mesmo sentido de “encher-se”, “inflar-se”, no entanto, neste texto o significado mais cabível seria o “enfunar-se” de orgulho, de vaidade.
Ao longo do poema, o eu-lírico constrói a crítica ao parnasiano e a sua estética,
” Diz: – Meu cancioneiro
É bem martelado. “
E ironiza o modo perfeito de se fazer arte.
“Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.”
No trecho acima o poeta faz um zombaria com o primor que os parnasianos têm em compor rimas, inclusive, em rimar termos cognatos, ou seja, termos que possuem a mesma classe gramatical já que para o parnasiano rimar termos cognatos não é sinônimo de sofisticação, pois as rimas não são consideradas ricas.

Além de ressaltar a estética parnasiana de forma sarcástica,
“Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.”
Manuel Bandeira também faz uma alusão irônica aos poemas que valorizam a descrição dos objetos e da escultura clássica.
“Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Exemplos de poesia parnasianas que mantêm esta valorização dos objetos clássicos são “Profissão de fé”, de Olavo Bilac e “Vaso Grego”, de Alberto Oliveira. Seguem alguns trechos:
(…)
“Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.”
(“Profissão de fé“)
(…)
“Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de os deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.”
(…)
 (“Vaso Grego”)
Além do conteúdo temático, o poeta faz algumas construções estruturais que dão sentido ao tema. Uma destas construções é o uso de aliterações em “p” e “b” e as assonâncias em “u” e “a” que remetem o som do pulo dos sapos, assim como, o jogo de palavras em ” Não foi! – Foi! – Não foi!” que faz analogia ao coaxar dos sapos.
Entretanto, o poeta moderno não utiliza a forma como meio de compor o tema, mas também, como forma de compor a ironia temática presente no texto. Por exemplo, a composição de todos os versos com a mesma métrica (cinco sílabas) faz parte da proposta parnasiana. No entanto, o poema é criado em redondilhas menores, isto é, a forma mais simples de se compor as sílabas poéticas, o que para os parnasianos é inaceitável, já que eles louvavam a sofisticação e não a simplicidade.
Outro aspecto estrutural que zomba dos aspectos requintados da escola parnasiana é uso das quadras ou quartetos, formas consideradas populares, contrastando, desse modo, com as formas sofisticadas, tais como, o soneto que é muito prezado no parnasianismo.
Esta popularidade da quadra se torna mais evidente na última estrofe cujos últimos versos fazem alusão a uma cantiga popular brasileira.
“ Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…”

4 comentários:

  1. Muito bom o seu blog...me ajudou muito nos meus estudos...obrigada!!!!!

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  2. Eu queria saber qual foi os critérios da escrita no poema os sapos de manuel bandeira?

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  3. Excelente ! Me ajudou muito, estão de parabens por disponibilizar um conteúdo de qualidade. Adorei !

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  4. Muito bom mas queria saber a analise de cada paragrafo.

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