quarta-feira, 23 de maio de 2012

Outras Vidas






Acredita-se que, para viver outras vidas, é necessário morrer primeiro e, depois de algum tempo, voltar. Eu já vivi muitas vidas, e nada disso foi preciso. Morei em outros países, em épocas diferentes e até em séculos passados. Tudo em uma única vida, a minha.
            Beber "Cherry Brand" nos bares de Paris era uma das coisas que eu adorava fazer, mas um dia, algo terrível aconteceu e acabou com minha alegria. Me transformei em barata. Todos se afastaram de mim, tinham medo e nojo. Até que conheci uma velha, acho que era vidente, que me falou sobre meu amor, tão perto de mim e eu o desconhecia. Foi na Ilha de Paquetá e eu realmente encontrei o amor. Estava naquele garoto que eu conhecia desde criança.
Casei-me com um homem incorrigível, que amava e odiava ao mesmo tempo. Ele morreu, mas não me deixou e passei pela deliciosa experiência de ter dois maridos. Vivi uma paixão impossível e valsei sem melancolia, sem arrependimento.
Presenciei a ditadura, no ano de 1968 e, apesar de algum tempo, parece que ainda não acabou. Construí o império dos Diários e Emissoras Associadas e muito contribuí para a comunicação. Passava os dias na Praça da Alfândega, convivendo com os mais variados tipos, na época de seus Anos Dourados.
Conheci muitos lugares. Viajei de barco durante cem dias e fiquei maravilhado com a natureza, com o litoral brasileiro e até com a África que nunca chamou minha atenção. Ainda sinto o cheiro do mar. Outra viagem interessante que fiz me revelou fatos que não conhecia sobre o descobrimento do Brasil.
Integrei o Clube do Picadinho, que diminuía a cada encontro. Sabíamos de quem era a vez, mas nunca desistimos. A emoção e o perigo faziam com que essas fossem as melhores refeições.
Esses são apenas alguns relatos de minha vida. Poderia ficar por horas contando minhas aventuras, descrevendo todas as pessoas que conheci e relembrando os infinitos amores que tive. Talvez em outro encontro. Mas antes de me despedir, quero contar como foi o meu primeiro contato com esse mundo maravilhoso.
Aconteceu quando eu ainda era criança e minha mãe me apresentou à Turma da Mônica e depois ao palhacinho Alegria. Eles se tornaram meus companheiros e, à medida que fui crescendo, ganhei novos amigos.
Tenho um poder espantoso. Através dele, conheci novos sentimentos, senti o gosto de novas comidas e bebidas, sem nem mesmo ter experimentado, vesti-me como as "sinhazinhas" do século passado, senti fome como Fabiano. Essa capacidade mágica que tenho não é exclusividade minha, ela está adequada a minha personalidade, mas todos podem ter, é só querer.
Além de adquirir cultura e informação, desenvolvi minha criatividade, tive uma visão mais ampla de certos assuntos. Dou asa a minha imaginação, e permito-me conhecer novos costumes, lugares, vidas, mundos, sentimentos.

Vanessa Mello 

Fonte: http://www.pucrs.br/gpt/intertextualidade.php. Acesso em 19 de maio de 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário